quinta-feira, 25 de abril de 2013

Minha aldeia - António Gedeão

Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.
Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
Ângulo novo, nova ideia;
outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.
Os homens da minha aldeia
Divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desampara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.
Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente,
cada qual é seu irmão.
Valências de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergem,
todos os homens convergem
no centro da minha aldeia.

Que eu seja como - Carlos Redondo

Como a onda, batida pelo vento,
Persiste no vaivém da investida

                Após cair se eleve o pensamento

                Na renovada ânsia da subida. 

Como o Sol, que renasce em cada flor,
E a todo o mundo aquece e ilumina
                Irradie eu, à minha volta, amor
                Esperança, paz, calor e luz divina.
Como a brisa, em constante movimento,
                Eu nunca pare no rumo pretendido
                Eu nunca pare por ter o sentimento
                De já estar satisfeito...ou ser vencido.
Como a Lua que ao fim de cada dia
Vagueia pelo céu, suavemente
                Até morrer eu espalhe a alegria
                - Poeta, sonhador e adolescente.
Que eu seja como a brisa, a Lua, o Sol,
Como isto ou como aquilo ou como alguém...
                Mas ser, inteiro ser, como um farol,
                Que eu seja eu, só eu e mais ninguém.


Carlos Redondo, "Vida-Tetralogia", 1994

terça-feira, 23 de abril de 2013

Toada de Portalegre - José Régio

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu Morar nela...

Cheia dos maus e bons cheiros

Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego.

Em Portalegre, cidade

Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
( Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela

Toda aberta ao sol que abrasa,

Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!

Serras deitadas nas nuvens,

Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e Amarelos,
Salpicados de Oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,

Em Portalegre, cidade

Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego...

Ora agora,

?Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?

Em Portalegre, dizia,

Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
?Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?

Lá num craveiro, que eu tinha,

Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
Á qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...

Como é que o vento suão

Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere ... e consola
Com o próprio mal que faz?

Coisas que terei pudor

De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre; cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida

- Não vivida!, sim morrida

No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do tal suão
Já varias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...

Senão quando o amor de Deus

Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a traz à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,

Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acàciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos

Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo! que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me, Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...

E era então que sucedia

Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casa que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão! obrigado...

Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!

E a cada raminho novo

Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.

Sonhava... (1969)

Sonhava...
Sonhava num longínquo reino cor de rosa
Lá longe, muito longe
Quase a tocar o céu...
Onde o mal era proíbido
E o sorriso era obrigado
Onde não havia mentira,
Egoísmo, paixão
Não se viam invejas
Nem havia guerra
Traição,
Um país onde fome, tristeza
Ou solidão
Fossem palavras vãs, desconhecidas
Enfim, um reino de pureza
Onde todos juntos
Os meninos brincavam
E ao ar subiam
Balões multicores
Onde os grandes amavam
Sonhavam
Compreendiam
Viviam
A vida bela e grande dos pequenos
Um país onde o dinheiro não contava
Sem hipotecas, números
Somas avultadas
Sem ricos nem pobres
Todos eram iguais
Um reino onde todo o ano
As flores sorriam
E onde as nuvens eram
Cor de rosa
Um reino onde os velhos
Não resmungavam
Mas cantavam
Riam, brincavam
Onde não havia lágrimas
E onde ecoavam sonoras gargalhadas
Sonhava...
Sonhava num longínquo reino cor de rosa
Lá longe, muito longe
Quase a tocar o céu.


Ana Redondo, Outubro 1969


      (sonhos de criança...)

Imagine - John Lennon


segunda-feira, 22 de abril de 2013

A crua realidade (2013)

Sonhei um mundo dif’rente
Mais fraterno e mais real
Que pudesse olhar em frente
P’la sua energia vital.

Sonhei também ser capaz
De remover injustiças
Pensando que o que se faz
Com empenho e sem preguiças

Perduraria no tempo
E uma vontade unida
Daria sentido à vida.

Sei agora como é lento
E pleno de atrocidades
Mudar as mentalidades…

Ana Redondo, 22 de Abril de 2013

domingo, 21 de abril de 2013

Citações - Renato Ruso

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar para pensar, na verdade não há.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades - Luís de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Eu cantarei de amor tão docemente - Luís de Camões

Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte

sábado, 6 de abril de 2013

Liberdade - Sophia de Mello Breyner Andresen

O poema é
A liberdade

Um poema não se programa
Porém a disciplina
— Sílaba por sílaba —
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
— Como se os deuses o dessem
O fazemos

Poema da minha esperança - Sebastião da Gama

Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
Que tem sempre tempo a mais,
Não se rala nem se apressa.
O meu sorriso de troça,
Amigos!,
Quando vejo o meu relógio
Com três quartos de hora a mais!...
Tic-tac... Tic-tac...
(lá pensa ele
Que é já o fim dos meus dias.)
Tic-tac...
(como eu rio, cá p'ra dentro,
De esta coisa divertida:
Ele a julgar que é já o resto
E eu a saber que tenho sempre mais
Três quartos de hora de vida.)

Os Erros - Sophia de Mello Breyner Andresen

A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos

Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"