domingo, 19 de maio de 2013

Colegial - José Régio

Em cima da minha mesa
Da minha mesa de estudo
Mesa da minha tristeza -
Em que de noite e de dia
Rasgo as folhas, leio tudo
Destes livros em que estudo,
E me estudo
(Eu já me estudo...)
E me estudo
A mim
Também
Em cima da minha mesa,
Tenho o teu retrato, Mãe!

À cabeceira do leito,
Dentro de um lindo caixilho,
Tenho uma Nossa Senhora
Que venero a toda a hora...
Ai minha Nossa Senhora,
Que se parece contigo,
E que tem ao peito,
Um filho
(O que ainda é mais estranho)
Que se parece comigo,
Num retratinho,
Que tenho,
De menino pequenino...!

No fundo da minha mala,
Mesmo lá no fundo a um canto,
Não lhes vá tocar alguém,
(Quem as lesse, o que entendia?
Só riria
Do que nos comove a nós...)
Já tenho três maços, Mãe,
Das cartas que tu me escreves
Desde que saí de casa...
Três maços - e nada leves! -
Atados com um retrós...

Se não fora eu ter-te assim,
A toda a hora,
Sempre à beirinha de mim,
(Sei agora
Que isto de a gente ser grande
Não é como se nos pinta...)
Mãe!, já teria morrido,
Ou já teria fugido,
Ou já teria bebido
Algum tinteiro de tinta!

sábado, 4 de maio de 2013

Gaivota - Amália Rodrigues

Se uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse,
Nesse céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.








Se um português marinheiro,
Dos sete mares andarilho,
Fosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasse,
Se um olhar de novo brilho

No meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
No meu peito bateria,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu,
Me dessem na despedida
O teu olhar derradeiro,
Esse olhar que era só teu,
Amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
Morreria no meu peito,
Meu amor na tua mão,
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração
.

Composição: Alain Oulman / Alexandre O\'Neill

Citações - Martin Luther King


Citações - Aung San Suu Kyi

''A única prisão real é o medo. E a única liberdade real é a liberdade de não ter medo.''

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Pedra Filosofal - cantado por Carlos do Carmo


Reminiscência - Fernanda de Castro "O mãe, eu não sei nada!..."

"...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria..."
(eu sabia de cor toda a geografia)
 O Senhor Inspector
 deu-me a nota mais alta em geografia
 e disse gravemente:
 - "Continua. Hás-de ser gente..." -

"Ângulo recto, agudo,
 cateto, hipotenusa..."
 (Já manchara de giz a minha blusa
 mas respondia a tudo
 e a Professora sorria
 enquanto eu papagueava a Geometria)

- "...D.Sancho, o Povoador...
 D.Dinis, o Lavrador...
 (Tinha então boa memória,
 sabia as datas da história...)
 1380
 1640
 1143
 em Arcos de Valdevez...
 (Muito bem, a pequena é simpática).

- "Vamos lá à gramática." -
 "...E, nem, não só, mas também...
 conjunções copulativas"
 (Eu pensava na alegria
 que ia dar a minha mãe,
 nas frases admirativas
 da velha D.Maria,
 a minha primeira mestra:
 - Tão novinha e ficou "bem"!" -
 e esta suavíssima orquestra
 acompanhava, em surdina,
 o meu primeiro exame de menina
 aplicada, orgulhosa e inteligente...)

- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
 fiz os problemas, dividi fracções,
 disse as regras das quatro operações
 e finalmente
 O Senhor Inspector felicitou-me,
 quis saber o meu nome
 e declarou-me
 que ficara "distinta" sem favor.

Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou.
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais,
e  a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)

Pouco depois, em casa,
a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à Terra, ao Céu, ao Mar, ao Rio:
- "O mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo, de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro, cada dia:
"- Ó mãe, eu não sei nada!"

Fernanda de Castro, "Trinta e nove poemas" (1941)

Citações II - Albert Einstein

"A palavra ''progresso'' não terá qualquer sentido enquanto houver crianças infelizes."

"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."

"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer."


"Não tentes ser bem sucedido, tenta antes ser um homem de valor."

Menina - cantado por Kátia Guerreiro

Katia Guerreiro
Menina do alto da serra
Album: Tudo ou nada, 2005

Menina


Menina de olhar sereno
raiando pela manhã
no seio duro e pequeno
num coletinho de lã.
Menina cheirando a feno
casado com hortelã.
Menina que no caminho
vais pisando formusura
levas nos olhos um ninho
todo em penas de ternura.
Menina de andar de linho
com um ribeiro à cintura.
Menina da saia aos folhos
quem te vê fica lavado
água da sede dos olhos
pão que não foi amassado.
Menina do riso aos molhos
minha seiva de pinheiro
menina da saia aos folhos
alfazema sem canteiro.
Menina de corpo inteiro
com tranças de madrugada
que se levanta primeiro
do que a terra alvoraçada.
Menina de fato novo
ave-maria da terra
rosa brava rosa povo
brisa do alto da serra


Letra de Ary dos SANTOS, in SANTOS, Ary dos. -As Palavras das Cantigas (organização, coordenação e notas de Ruben de Carvalho).Lisboa, 1995.
Música de Nuno Nazareth Fernandes. Escrita em 1971. Interpretada por Tonicha, concorreu ao Festival da RTP em 1972, obtendo o 1º lugar. Teve incialmente o título de Menina do Alto da Serra. Interpretada por Tonicha no disco ORFEU SB 1118