terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Discórdia - Ana Redondo

As palavras querem-se claras, cristalinas
As frases fortes, incisivas
O formato coerente, 
De inegável lógica
O conteúdo vibrante, premente
Para que a verdade que grito, 
Mesmo que sujeita a crítica,
Toque alguém  no coração.

"Se não querem guerras
Não produzam armas.
Mas há quem muito lucra
Em as traficar.
E com esta dinâmica
Elas irão continuar
De preferência em remotas terras
Bem longe das luzes da civilização."

E se esta crua verdade não bastar
Para alguém hoje acordar
E prestar atenção
Será que vai adiantar
Mostrar os familiares traumas
De crianças mortas e mães a chorar?

Ana Redondo
Redigido em Janeiro de 2015

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Inerte - Ana Redondo

Caído na praia,
De rosto no areia,
Inerte
O menino morto é  sinal pungente.
Lançado no porão,
Como peça de gado
Ei-lo que se afoga
Em barco sem lei
Que às tantas adorna
Sem rumo, sem leme.
É  triste o teu fado
Menino fugido
Do terror das balas,
Na esperança ilusória
Dum amanhã risonho.
Travessia inglória,
Insana...
Menino perdido
Dos  braços da mãe
Foi  triste a tua sorte
Nesses barcos da morte
Desumana...
Menino inocente
Que já não padece
Aceita que eu junte dolorosa prece
Pois  todos falam, reclamam,
Mas onde estão as acções
Neste drama premente?


Ana Redondo, 3 de Setembro de 2015

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Sirenes no mar - Ana Redondo

Toda a noite as sirenes zumbiram
Noite de nevoeiro
Noite de magia
Noite de encanto
E as sirenes negam-me o descanso.
Sinto os navios no mar traiçoeiro.
Rezo.
Oiço o som das sirenes
Sob o invisível manto.
Um oceano imenso
Grita e clama
Seu infinito fulgor.
Noite de pranto...
E os homens que pescam
Mantêm seu labor...




Ana Mafalda Redondo, Agosto  de 2015
 

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Pensamentos -Dalai Lama

Dê a quem você ama:
Asas para voar
Raízes para voltar
E motivos para ficar.


Dalai Lama

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Hoje - Ana Redondo

Eu quero ser uma janela aberta p'ro mundo,
Ou um balão que flutua no ar.
Quero dizer olá a todos com quem cruzo.
Quero sentir o aroma da relva molhada
E ver a beleza do jasmim.
Quero ser iluminada
 P'lo brilho do luar 
E o cintilar das estrelas
Como um trilião de velas  a arder.
Quero apreciar o sabor da maçã
E a textura do figo.
Quero em cada momento saber espalhar sorrisos
E que à minha volta todos fiquem mais felizes
Quero isto tudo e muito mais ainda.
Quero viver. 
Quero sonhar.

Ana Redondo, Janeiro de 2015

Travessuras - Oswaldo Montenegro


sábado, 24 de janeiro de 2015

História antiga - Miguel Torga

 Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
 Feio bicho, de resto:
 Uma cara de burro sem cabresto
 E duas grandes tranças.
 A gente olhava, reparava, e via
 Que naquela figura não havia
 Olhos de quem gosta de crianças.

 E, na verdade, assim acontecia.
 Porque um dia,
 O malvado,
 Só por ter o poder de quem é rei
 Por não ter coração,
 Sem mais nem menos,
 Mandou matar quantos eram pequenos
 Nas cidades e aldeias da Nação.

 Mas,
 Por acaso ou milagre, aconteceu
 Que, num burrinho pela areia fora,
 Fugiu
 Daquelas mãos de sangue um pequenito
 Que o vivo sol da vida acarinhou;
 E bastou
 Esse palmo de sonho
 Para encher este mundo de alegria;
 Para crescer, ser Deus;
 E meter no inferno o tal das tranças,
 Só porque ele não gostava de crianças.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Para além da curva da estrada - Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

 Para além da curva da estrada
 Talvez haja um poço, e talvez um castelo, 
 E talvez apenas a continuação da estrada.
 Não sei nem pergunto.
 Enquanto vou na estrada antes da curva
 Só olho para a estrada antes da curva,
 Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
 De nada me serviria estar olhando para outro lado
 E para aquilo que não vejo.
 Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
 Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
 Se há alguém para além da curva da estrada,
 Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
 Essa é que é a estrada para eles.
 Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
 Por ora só sabemos que lá não estamos.
 Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
 Há a estrada sem curva nenhuma.


in “Poemas Inconjuntos”. Poemas Completos de Alberto Caeiro (Recolha, transcrição e notas de Teresa Sobral Cunha.) [Lisboa: Presença,1994.]

No teu poema - Ary dos Santos

 No teu poema
 Existe um verso em branco e sem medida
 Um corpo que respira, um céu aberto
 Janela debruçada para a vida
 No teu poema
 Existe a dor calada lá no fundo
 O passo da coragem em casa escura
 E, aberta, uma varanda para o mundo.
 Existe a noite
 O riso e a voz refeita à luz do dia
 A festa da senhora da agonia
 E o cansaço
 Do corpo que adormece em cama fria.
 Existe um rio
 A sina de quem nasce fraco ou forte
 O risco, a raiva e a luta de quem cai
 Ou que resiste
 Que vence ou adormece antes da morte.
 No teu poema
 Existe o grito e o eco da metralha
 A dor que sei de cor mas não recito
 E os sonhos inquietos de quem falha.
 No teu poema
 Existe um cantochão alentejano
 A rua e o pregão de uma varina
 E um barco assoprado a todo o pano
 Existe a noite
 O canto em vozes juntas, vozes certas
 Canção de uma só letra e um só destino a embarcar
 O cais da nova nau das descobertas.
 Existe um rio
 A sina de quem nasce fraco, ou forte
 O risco, a raiva e a luta de quem cai ou que resiste
 Que vence ou adormece antes da morte.
 No teu poema
 Existe a esperança acesa atrás do muro
 Existe tudo o mais que ainda escapa
 E um verso em branco à espera do futuro.

Ary dos Santos


 (7 de Dezembro de 1937 — 18 de Janeiro de 1984)

sábado, 17 de janeiro de 2015

Guerra e religião - Ana Redondo

 Se uma criança é perseguida  e humilhada pelos colegas de escola é alvo de desrespeito e bulling. Se um grupo religioso e racial é sistematicamente alvo de troça de um jornal , criticam-se os assassinos terroristas e fala-se da irrevogável liberdade de expressão. Ninguém reconhece que o jornal atacou e ofendeu. Claro que as armas não são solução. Depois, cria-se o medo...  e cerceia-se a liberdade em nome da segurança. Mas a liberdade de desrespeitar não é questionada! E a dignidade do outro? E a aceitação da diferença? O lápis pode criar barreiras entre vizinhos. Em nome de que legitimidade? A liberdade implica responsabilidade, todos os direitos comportam deveres. Deveres de cidadania, pelo direito à dignidade e bom nome do grupo visado.
Quem semeia ventos colhe tempestades.


Ana Redondo, Janeiro de 2015