sexta-feira, 26 de julho de 2013

Fala do Homem Nascido - António Gedeão

(Chega à boca da cena, e diz:) 

Venho da terra assombrada,
 do ventre de minha mãe;
 Só quero o que me é devido

 por me trazerem aqui,
 que eu nem sequer fui ouvido
 no acto de que nasci.

 Trago boca para comer
 e olhos para desejar.
 Com licença, quero passar,
 tenho pressa de viver.
 Com licença! Com licença!
 Que a vida é água a correr.
 Venho do fundo do tempo;

 não tenho tempo a perder.

 Minha barca aparelhada
 solta o pano rumo ao norte;
 meu desejo é passaporte
 para a fronteira fechada.
 Não há ventos que não prestem
 nem marés que não convenham,
 nem forças que me molestem,
 correntes que me detenham.


 Quero eu e a Natureza,
 que a Natureza sou eu,
 e as forças da Natureza
 nunca ninguém as venceu.


 Com licença! Com licença!
 Que a barca se fez ao mar.
 Não há poder que me vença.
 Mesmo morto hei-de passar.
 Com licença! Com licença!
 Com rumo à estrela polar.

António Gedeão, in 'Teatro do Mundo'

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