domingo, 17 de fevereiro de 2013

And then tomorrow... (1980)

Darky nights, mourning eyes, chilling days
Shallow, lingering waters in the bays
Tomorrow comes when I shall die
Who will ever remain to cry?

Were I blessed to be a saint
I would not share this fear to faint
Were I a well-known artist
My name would stay amongst the highest

But I've slipped like a shadow
Lonely grave among my fellows
Stony bones and my heart broken

And then tomorrow I shall die
And not a son 'pon me to flourish

(redigido nos tempos de antanho em que eu sabia falar bem inglês...)

Ana Redondo

Aurora boreal - António Gedeão

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

Estrela da tarde - Carlos do Carmo







Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia.
(Refrão)
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.
Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos noturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.


Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.
(Refrão)
Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!
Fado composto por Ary dos Santos e Fernando Tordo  

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O rio que corre pela minha aldeia - Alberto Caeiro

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
   
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro (Heterónimo de Fernando Pessoa) - "O Guardador de Rebanhos"

Preia Mar - Daniel Filipe

As ondas quebram na areia,
dizem segredos perdidos...
Saudades da maré-cheia,
de barcos e tempos idos...

Segredos tristes, lamentos,
que o mar não pôde calar...
E foi dizê-los aos ventos,
aos pescadores, ao luar...

As ondas dizem na areia
saudades de tempos idos...
Segredos da maré-cheia,
de barcos tristes
- perdidos.
Daniel Filipe, "Missiva"

Descalça vai para a fonte - Luís de Camões

Descalça vai para a fonte Lianor pela verdura; Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote, O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata, Sainho de chamelote; Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura. Vai fermosa e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entrançado
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que mundo espanta
Chove nela graça tanta
que dá graça à fernosura.
Vai fermosa e não segura. 

Entre tu e eu (1981)

Entre tu eu há um desentendimento
Só de carícias feito
Um rol de silêncios sufocados
Um mundo de segredos revelado
Entre tu eu há um mar de palavras por dizer
De gestos por fazer, de mundos por viver
E há também uma corrente de palavras ditas
De gestos desfeitos, de falsas verdades abaladas
Entre tu eu há uma ilusão de desencanto
Um sonho de encontro
Um desespero de esperança
Num mundo destroçado.
Entre tu eu há uma inocência de adultos
E uma fraqueza de crianças
E há a dor dos soluços disfarçados
As lágrimas por chorar
A saudade por sofrer
Mais uma trémula compreensão balbuciante
Um véu de solidão e encobrimento.
E há o instante que desperta
Na eternidade fugaz
Como loucura sensata
Num horizonte sem paz.
Porque em mim e em ti há um querer infinito no futuro
E um desprezo ignóbil pelo "eu"
Há vinte anos de preconceitos calcinados
... E defesas construídas
E ânsias destruídas
E há um abismo de medos, de recuos e tremores
Um desafio de orgulho imesurado
E uma pálida luz no fundo da caverna...

Ana Redondo, 1981

Há uma fonte além (1983)

"Ce quíl est beau dans le desert c ést qu'il cache un puit quelque part"  - Antoine de Saint Exupery

Afinal era verdade
Era mesmo "Nova Luz"
O renascer foi efémero?
Não. Difícil sim
Mas não será em vão
Escuta...
Uma fonte além
É preciso avançar
Não fiques inerte
Há uma fonte além
Então valeu a pena
O deserto é grande
Mas a fonte espera
Viver é lutar
E o caminho engana
Faz-nos vacilar
(Vamos até pactuar)
Mas o caminho é longo
Não se pode hesitar
Vai. Levanta-te e vai
Afasta os obstáculos
São meros entraves
Já vês o caminho
É preciso avançar.

Mesmo que a luz se extinga
Ela há-de voltar
E o caminho é em frente
Não se pode hesitar
O destino e distante?
Talvez. Importante é ir
Chegar? Sim, mas em cada instante
Saber construir.
Fica a alegria
De estarmos a andar.

É preciso crescer
Caíste, que importa
Vais-te levantar
Não foi p'ra estar inertes
Que aprendemos a andar.

Ana Redondo, 1983

Talvez eu viva iludida (1982)

Talvez eu viva iludida
Talvez me chamem romântica
Talvez digam que é mentira
Sentir aquilo que eu sinto
Sofrer aquilo que eu sofro
...Viver aquilo que eu vivo
Mas se o mundo é hipocrisia
E os "amigos" nos traem
Nos preparam as ciladas
Onde havemos de cair
Para sair destroçados
E eles ...ficam a rir
Do mundo feito maldade
Prefiro estar enganada
(Romântica toda a vida)
Mas continuar sentindo
E saber o que é a dor
E conhecer a saudade
Que é perder um grande amor

Ana Redondo, 1982

Coitado! que em um tempo choro e rio - Luís de Camões

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio. 

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.  

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queria desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo











O cisne, quando sente ser chegada - Luís de Camões

O cisne, quando sente ser chegada
A hora que põe termo a sua vida,
Música com voz alta e mui subida
Levanta pela praia inabitada.

Deseja ter a vida prolongada
Chorando do viver a despedida;
Com grande saudade da partida,
Celebra o triste fim desta jornada.

Assim, Senhora minha, quando via
O triste fim que davam meus amores,
Estando posto já no extremo fio,

Com mais suave canto e harmonia
Descantei pelos vossos desfavores
La vuestra falsa fé y el amor

Raquel - Luís de Camões

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

Fundão - Loja do Portugal profundo


Portugal campestre


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Dignidade

Quando a dignidade humana deixa de ser o principal valor, construtor de integridade pessoal, respeito pelos outros e por si próprio também, nada mais pode assegurar que a justiça seja justa, a economia não seja dominada e manipulada pelos detentores da riqueza e a sociedade gerida por governantes, colocados no poder por lobbies financeiros e movidos pelo seu próprio egoísmo. 

A razão tem de ser entretecida pelos sentimentos e emoções para tornar possível um mundo verdadeiramente solidário, compreensivo, dialogante, responsável, que valorize as diferenças pessoais e alimentando-se dessa multiplicidade possa ser construtivo e criador, dinâmico e inovador, feliz e libertador.

Os animais só matam na medida das suas necessidades de sobrevivência. O que faz o homem desejar mais do que o que pode verdadeiramente desfrutar? E de que lhe serve toda a riqueza, se não tiver pão para comer e água para beber? Como pode alguém sentir paz e harmonia se vive pisando e humilhando o outro?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Palavras (1979)

Palavras, só palavras, só palavras
Palavras repensadas, refundidas, esvaziadas
Palavras perfumadas, palavras apontadas
                Como setas
Um zumbido de sons perfurando-me os ouvidos
Sol, chuva, amor, guerra
Ciúme, ódio, adultério
E se sorrir ao marido da amiga
                Sou sacrílegas
E se beijar o jovem louro
Ao luar da meia noite serei pura
E se chorar sal ensanguentado
Sob o travesseiro da cama
                Serei eu

Palavras, só palavras, só palavras
Quantos livros serão diariamente impressos
Quantas palavras serão dia a dia gastas
Quantas vezes Carter trairá publicamente
As suas próprias intenções políticas
E os cubanos mascarados de imperialistas
Matarão sobre as palavras ressequidas da defesa social

Palavras lidas, palavras relidas
E o Aaiatolá Khomeini promete a reconstrução do Irão
Sobre as cinzas de 3000 mortos
E o marido infiel jura à mulher que nunca amou mais ninguém
Não, não, o resto não é amor

O eco das palavras sem sentido a ecoar nos ouvidos
Quantas palavras serão reinventadas em cada minuto
Para justificar a confusão universal
E Cristo será a sublimação da libido
E quando todos morrermos sob a bomba de neutrões
Humanidade, dorme tranquila, virá a sociedade ideal

Palavras frias como mármore branco
Disfarçado em veludo ornamentado
E hei-de afundar-me em palavras
Hei-de ludibriar o próprio Freud
Embotando os sentidos em caracteres alinhados
Até esgotadas as pálpebras se baixarem
Sob o som do calor do Ipanema nos versos da Mara Abrantes
E os sonhos que vierem serão covas sem fundo
Só p'ra enlouquecer Lacan

..." E quando se descobrir o 999º nome de Deus
As estrelas cairão!"

Mas eu não estarei aqui; e o meu cérebro será
A Tipografia Universal

E hei-de fumar até os pensamentos
Se esfumarem numa mancha de nicotina acinzentada
E hei-de trabalhar em horizontes numéricos
Sob as palavras bonitas da recuperação económica

E se algum pensamento ainda resistir
A este tratamento de choque aqui prescrito
 - como este que hoje tentou percorrer-me -
Logo o cobrirei com palavras de tinta
De sons altissonantes
Em folhas de papel

Mas não, nunca permitierei
Que o pensamento tome forma e síntese e conclusão
A verdade do pensamento poderá queimar-me

Ana Redondo, 1979



Daniel Filipe - Poemas

Desnecessária explicação

Que importa a melodia,
se acaso aos outros dou,
com pávida alegria,
o pouco que me sou?
Que importa ao que me sabe
estar só no meu caminho,
se dentro de mim cabe
a glória de ir sozinho?

Que importa a vã ternura
das horas magoadas,
se ao meu redor perdura
o eco das passadas?

Que importa a solidão
e o não saber onde ir,
se tudo, ao coração,
nos fala de partir?


Trespasse
Quem tiver sonhos, guarde-os bem fechados
— com naftalina — num baú inútil.
Por mim abdico desses vãos cuidados.
Deixai-me ser liricamente fútil!

Estou resolvido. Vou abrir falência.
(Bandeira rubra desfraldada ao vento:
"Hoje, leilão!") Liquida-se a existência
— por retirada para o esquecimento ...

Romance de Tomasinho Cara-Feia - Daniel Filipe

Farto de sol e de areia
Que é o mais que a terra dá,
Tomasinho Cara-Feia
vai prá pesca da baleia.
Quem sabe se tornará?

Torne ou não torne, que tem?
Vai cumprir o seu destinho.
Só nha Fortunata, a mãe,
Que é velha e não tem ninguém,
Chora pelo seu menino.

Torne ou não torne, que importa?
Vai ser igual ao avô.
Não volta a bater-me à porta;
Deixou para sempre a horta,
que a longa seca matou.

Tomasinho Cara-Feia
(outro nome, quem lho dá?),
farto de sol e de areia,
foi prá pesca da baleia.

— E nunca mais voltará!

A flor (1968)

Premiado num concurso para jovens em 1968/69

A flor
A flor nasceu
Cresceu
Perfumou o jardim
Era uma flor cor de rosa
Pequenina
Ingénua
E pura
Mas ninguém a olhou
Ninguém a viu
Ninguém sentiu o seu perfume
Pisaram-na
Esmagaram-na
E a flor
A flor murchou
Mas um dia
Um dia o vento passou
E arrancou
Aquela flor
Pequenina
Ingénua
E pura
E a flor
A flor voou

Ana Redondo, 1968

Noite (1968)

A noite é negra
Negra como os meus olhos
Negros
Mas uma estrela brilha
Brilha só para mim
E eu sorri
E ela sorriu para mim
Como uma fonte
Num deserto imenso
Como um botão de rosa
Numa roseira murcha
A estrela lá do céu
Brilha para mim
Só para mim

Ana Redondo, 1968

Van Gogh "Vincent - Starry Starry Night" (Lyrics Don McLean)



Starry
Starry night
Paint your palette blue and grey

Look out on a summer's day
With eyes that know the
Darkness in my soul.
Shadows on the hills
Sketch the trees and the daffodils

Catch the breeze and the winter chills

In colors on the snowy linen land.
And now I understand what you tried to say to me

How you suffered for your sanity
How you tried to set them free.
They would not listen
They did not know how

Perhaps they'll listen now.

Starry
Starry night
Flaming flo'rs that brightly blaze

Swirling clouds in violet haze reflect in
Vincent's eyes of China blue.
Colors changing hue
Morning fields of amber grain

Weathered faces lined in pain
Are soothed beneath the artist's
Loving hand.
And now I understand what you tried to say to me

How you suffered for your sanity
How you tried to set them free.
Perhaps they'll listen now.

For they could not love you
But still your love was true

And when no hope was left in sight on that starry
Starry night.
You took your life
As lovers often do;
But I could have told you
Vincent
This world was never
Meant for one
As beautiful as you.

Starry
Starry night
Portraits hung in empty halls

Frameless heads on nameless walls
With eyes
That watch the world and can't forget.
Like the stranger that you've met

The ragged men in ragged clothes

The silver thorn of bloody rose
Lie crushed and broken
On the virgin snow.
And now I think I know what you tried to say to me

How you suffered for your sanity

How you tried to set them free.
They would not listen
They're not
List'ning still
Perhaps they never will.