Palavras repensadas, refundidas, esvaziadas
Palavras perfumadas, palavras apontadas
Como setas
Um zumbido de sons perfurando-me os ouvidos
Sol, chuva, amor, guerra
Ciúme, ódio, adultério
E se sorrir ao marido da amiga
Sou sacrílegas
E se beijar o jovem louro
Ao luar da meia noite serei pura
E se chorar sal ensanguentado
Sob o travesseiro da cama
Serei eu
Palavras, só palavras, só
palavras
Quantos livros serão diariamente
impressosQuantas palavras serão dia a dia gastas
Quantas vezes Carter trairá publicamente
As suas próprias intenções políticas
E os cubanos mascarados de imperialistas
Matarão sobre as palavras ressequidas da defesa social
Palavras lidas, palavras
relidas
E o Aaiatolá Khomeini promete
a reconstrução do IrãoSobre as cinzas de 3000 mortos
E o marido infiel jura à mulher que nunca amou mais ninguém
Não, não, o resto não é amor
O eco das palavras sem sentido
a ecoar nos ouvidos
Quantas palavras serão
reinventadas em cada minutoPara justificar a confusão universal
E Cristo será a sublimação da libido
E quando todos morrermos sob a bomba de neutrões
Humanidade, dorme tranquila, virá a sociedade ideal
Palavras frias como mármore
branco
Disfarçado em veludo ornamentadoE hei-de afundar-me em palavras
Hei-de ludibriar o próprio Freud
Embotando os sentidos em caracteres alinhados
Até esgotadas as pálpebras se baixarem
Sob o som do calor do Ipanema nos versos da Mara Abrantes
E os sonhos que vierem serão covas sem fundo
Só p'ra enlouquecer Lacan
..." E quando se
descobrir o 999º nome de Deus
As estrelas cairão!"
Mas eu não estarei aqui; e o meu cérebro será
A Tipografia Universal
E hei-de fumar até os
pensamentos
Se esfumarem numa mancha de
nicotina acinzentadaE hei-de trabalhar em horizontes numéricos
Sob as palavras bonitas da recuperação económica
E se algum pensamento ainda
resistir
A este tratamento de choque
aqui prescrito- como este que hoje tentou percorrer-me -
Logo o cobrirei com palavras de tinta
De sons altissonantes
Em folhas de papel
Mas não, nunca permitierei
Que o pensamento tome forma e
síntese e conclusãoA verdade do pensamento poderá queimar-me
Ana Redondo, 1979
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