Desfeito, partido,
Vergado
Destruído
Alquebrado,
Moído,
Tragado,
Amassado.
Irreconhecíveis
fragmentos jazem sem nexo
Ao
acaso atirados Por exógenos portentos
Como folhas lançadas ao vento
Rugindo frágeis lamentos
Por
favor,
Mestre RestauradorEm tuas mãos pacientes,
Rigorosas,
Conscientes,
Coloco, os despojos, aos pedaços
Do meu corpo, minha alma, meu Ser, meu saber
Será que é possível vê-lo recomposto?
Será que ainda se pode refazer?
O Mestre
inicia a sua cerimónia
Sereno,
de aventalCom experiências lentas,
Morosas.
Que venha a ciência!
Não é cousa pouca
Um humano quebrado
Ser reconstruído!
Expôe
lesto os fragmentos
Que
deixa patentesSobre mui alvo pano
Inicia as medições,
Encaixes,
Dissecações
E planificações.
Transcreve
os valores
Num
tridimensional modeloNo seu laptop de última geração
Geometria, trigonometria,
E uma pitada de alquimia,
Dúvidas latentes...
Pigmentos, texturas,
Numa sábia mistura.
E o computador calcula com electónica precisão...
Surgem, em longa profusão,
Variadas sequências de números, resultados
E agora eu já creio
Que ele
saberá por certo acertar
Não,
seguramente, nada irá falhar.E os pedaços dispersos
E arruinados
Começam a se encaixar,
O meu ser mental e o emocional
A soltar-se, a retornar
Ainda confusos, a balbuciar...
Meticuloso,
Ponderado,Cauteloso,
Articulado,
O Mestre Restaurador
Mostra o seu engenho
Espalha o seu saber
Senhor do tempo
Seguro mas lento
Age sem tormento
E momento a momento
Junta um novo elemento.
Como delicada cozinheira
Adiciona o sal,
O arroz, o feijão
Tomilho e açafrão
E é com doce gosto
Que, de um prato frugal,
Cria um jantar sensacional
O Mestre Restaurador
Grande lição de sapiência!
Reune as peças com primordial amor
Ternamente, aos poucos, com prudência
Tenta um
pedaço, tenta outro
Depois
emendaCola aqui, pinta acolá
Um pouco de lixa
Depois o pincel
E assim prossegue
Nessa intangível
luta sem quartel
De
reestruturar,Desencarcerar,
Reunificar
O meu Ser perdido e empedernido.
Por
fim, eu renasço!
Já me
sinto unaRegressam os sonhos,
A esperança,
E os enganos.
Mas agora estou vivo
Já não estou pisado
Machucado
Afastado
Congelado.
O
coração palpita
O
sangue nas veias correInverte-se o cansaço,
A ausência, o fracasso.
A alegria irradia
Invade-me,
Transborda
Mas, ...poque há sempre um mas,
Também as penosas mágoas,
A angústia, a dor
Agora incendeia
E se espelha,
Em cada novo dia,
Nas rugas do meu rosto.
E no
fogo me acendo,
Me
levanto e voo.Regressa o fervor
A força, a coragem
Já sou só voragem
Como espuma que empurra
Vivendo o momento
Sorrindo, chorando,
Sofrendo, observando,
Amando, vivendo.
Agora
sei que serei sempre aprendiz
Mas não
mais me oprimo,Reprimo, afogo e me calo.
Não mais me acomodo
Ao que aguém quis por mim.
Não mais me separo,
Me aparto,
Me doo e magoo
Só porque convém
A uma sociedade
Que desconhece o bem.
Ana Redondo, Junho 2013
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